terça-feira, 15 de novembro de 2016

E tenho os pés descalços e canso-me de andar pela terra suja que me alegra a alma
e me enche de uma certa calma que é o silêncio do universo.
Vejo os carros e as cidades e sorrio para mim sua infinita pobreza de terem de andar assim,
bem vestidos, com pressa e maneira de falar coerentes.
Nu, invisto num futuro que não abre alas a palermices e descansos de preguiça.
Aqui a tarefa é andar e persistir em acreditar que isso leva a algum lado.
É uma arte marcial que me junta a todos os seres humanos alguma vez existentes
nesta terra e que existirão.
No abismo disto e do que me vai na cabeça
imagino soluções, danças e sorrisos que alegram ninguém mas a mim
e talvez assim o espírito maior que dá e tira vida.

Foi com pena que atravessando a estrada me atropelou tal grande camião
em que o condutor tinha adormecido.
Lá me levaram para o hospital, comigo inconsciente e silencioso.
Acordei passado uns dias.
Ninguém à minha beira e todo cheio de tubos e pip's ao redor.
Tirei aquela merda toda mas rápido uma enfermeira veio-me agarrar
ao que eu resisti e ela gritando chamou uns bruta-montes para me imobilizar.
Bem, estava furioso, precisava de andar!
Sentir as pernas e deixar a mente fluir.
Disseram-me que "não" por gestos - sei lá eu a língua deles!
Fiquei por lá mais umas semanas, com cordões a me segurar todo o corpo
e menos furioso fui-me deixando observar aquilo tudo, imaginando estar a andar.
Quando recuperei, vestiram-me de roupas e meteram-me em pé e como que sorriram
para mim, parecendo dizer que já estava bem, que já podia eu andar.
Lá andei um pouco mas os músculos atrofiados quase me mandaram ao chão,
não fossem, mais uma vez, os bruta-montes me segurar.
Bem, perguntaram-me por casa e eu disse que não tinha.
Familia? Também não.
Trabalho? Não.
Bem, mandaram-me para a rua com um papel que mostrava um número grande
que me disseram, mais uma vez por gestos, que eu tinha de pagar dentro de um mês
senão ia para a prisão. Não percebi nem uma nem a outra coisa mas um carro chegou-se
à minha frente e disse para eu entrar. Lá entrei.
No fim da viagem mostraram-me uma casa, com cama e essas coisas e foram-se embora.
Achei simpático tudo isto mas queria era andar!
Logo que tentei abrir a porta vi que estava trancada.
Achei estranho mas acabei por andar à volta do quarto a noite toda.
De manhã abriu-se a porta e chamaram-me e levaram-me
para um sítio com pedras e disseram-me, por gestos, para pegar nelas
e levá-las para outro sítio.
Eu disse que não e um dos senhores deu-me uma cacetada com toda a força nas costas.
Bom, pensei que tinha mesmo de ser e que pelo menos podia caminhar.
Dias e dias e dias disto, tanto que me habituei.
Já com um sorriso na cara fazia aquilo porque o andar
que o levar as pedras de um lado para o outro concedia
fazia a minha mente imaginar a vida na terra suja, nu e descalço de outrora.
Cada mês me mostravam um papel que parecia dizer que os números grandes,
que vi no outro papel à saída do hospital, iam diminuindo.
Bom, pelo menos isso, pensei.
Meses e meses depois lá me deixaram sair porque o número tinha chegado a zero,
bom a um pouco mais agora.

Deram-me papéis estranhos para a mão
que me disseram,
por gestos, serem valiosos.

Disse tudo bem e fui-me embora.

Lá no fim daquela estrada encontrei
novamente a terra suja e descalcei-me
e despi-me e sorri e corri para a vida.


(exercício de escrita...
era suposto continuar para ele se civilizar, standardizar
e só depois finalmente sair para a terra "suja"
mas a verdade é que me é tão difícil escrever
em prosa ou manter coerência em textos longos
- canso-me rapidamente)

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