segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Quando eu era vagabundo

...e tudo me sorria porque não me pertencia
e tudo me era continuação porque não me identificava.

Tudo era tudo porque eu,
eu não queria ser nada.

Ser vagabundo é ser do mundo,
vê-lo ser sem querer interferir
porque ele é e eu o sou
só por vias do olhar e do sentimento.

Ah, tenho pena de já não ser vagabundo.

Viver a rua como minha casa
e o desconhecido como amigo.

Agora tenho casa, moto e amigos,
até namorada
e o que ambiciono mais
é ainda, ser vagabundo.

Porque o vagabundo parece não ter nada
mas sente ter tudo:
sente.

Como um índio a palavra ter,
o objecto de posse, não existe.

Tudo vai e vem mas a identidade fica,
uma identidade que não é questionável
pois não há esforço a isso mas disciplina
e vontade.

Ser vagabundo é ser feliz
porque se sabe mas não se diz,
o que dói ou faz feliz,
porque tudo parte de o mesmo,
como uma experiência esotérica
aqui na terra, bem física.

E o cão vadio, o vagabundo real,
a gaivota e a pomba
são meus efectivos irmãos.

A desgraça alheia
guarda por trás uma enorme liberdade
que só quem se sente encurralado pelas ordens da modernidade
sente.

Sorrio à morte então
desgraça minha
e mundo meu.

Sou feito de ar e recreio mental,
a alma dança a violência e o amor,
dança a vida porque aceita a morte.

É infinita eterna
e assim deve ser.

Conquistas e derrotas
só notas desta existência total.

Tudo ensinamento de uma vida
que se quer mortal
por vingança ancestral, astral e espiritual.

Cai ao céu a terra e
acredita ao ponto de desaparecer
pensamento.

Olho os olhos do vagabundo
e vejo eu o mundo.

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