quinta-feira, 9 de junho de 2016

Onde está a febre de descobrir, ser e estar
como se um dia e a vida fossem somente ar?

Onde está a ligeireza de abrir a mão ao mundo
e vê-lo ser, como fantasma, realização divina
a cada instância e tempo?

Onde foi meu dom
de descobrir não ser
para ser tão perfeitamente o que sou
a cada momento?

Sinto-me pesado com o mundo,
sinto-lhe tudo
e ganho náuseas de velho,
um velho que está para morrer.

Porque a alegria é ser jovem e despreocupado,
sentir o sofrimento mas o ir tão além que é lenha
para a fogueira do descobrimento.

Ah, a arte de me ser está perdida...

Sou algo outro agora
e se tivesse com forças
ainda levava estas à fogueira
que sempre sei em mim.

Se sei de quem sou
porquê mudar ou ser outro?

Porque me mudo?
Porque me não reconheço
como consciência absoluta
da realidade humana?

Mas ser-se "alguém" é perder este dom?

Ser-se de alguém,
querer-se real e prestável,
comprometido e realizável,
prudente e confortável?

Não sei se por isto ou por outra coisa,
meu coração preso e minha alma quer gritar e sentir
sem prisão mental de seguir e seguir.

Gosto de me desafiar,
não há dúvida.

A tangencia ao medo é o maior dos segredos do divino:
abre-te todo ao medo sendo tu perfeitamente lá dentro.

Olhando o mundo nos olhos
e os outros não sabendo
vês tu tão belíssimamente o mundo 
que o que te apetece é chorar,
conquistar, crer e sonhar.

Falta-me o dom.

Trabalhar nele é meu caminho
- sei-o desde que me perdi completamente.

Ah, mas a vida é uma coisa complicada
quando surgem coisas imprevistas
que se têm de absorver.

Falar aos céus já não me canta
o silêncio da morte que dá vida.

Há que ser agora um esforço físico,
aquele que de alguma forma
- eventualmente errada -
desprezo um pouco.

O mundo existe e tu com ele.
Integrares-te nele ou não é uma questão.
(sendo que é claro que já te encontras nele,
de alguma forma, integrado)

Não sei de esse meu dom.

Ele precisa de mudança,
é exigente e não gosta de fraquezas "humanas".

Tento encontrá-lo mas não o vejo nem falo.

É que é esse dom que me faz ser leve e elegante,
prestante ao próximo como reflexão de meu amor próprio.

Sem ele sou máquina de reflexos e comunicação,
jazo atrás de quem me vê actuar.

Ganho medos e ansiedades
de que me envergonho.

Engraçado que tão simpático dom
pode ser tão maligno quando não respeitado
e obedecido.

Ah, a vida é uma incógnita!

Mas mais vale vivê-la de olhos nos olhos
que com medo dela.

E eu, infelizmente, ando com algum...

A ver se encontro, novamente,
esse meu dom perdido.

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